PO-ÉTICA
A poética que apresento aqui pretende expressar desejo como ética, imaginação de estéticas, investimento noutro porvir, noutras subjetividades. É criação precedida pela crença na desmedida e pelas lutas buscam mais que liberdades concedidas. É como expresso paixões ensandecidas, sinto saudades sofridas, enfrento instituições bandidas e penso um comum de pretinhosidades. É defesa radical da vida, com o amor comprometida, gritos de singularidades contidas, sentimentanimalidades.
SENTIMENTANIMALIDADES
O sentido da vida é a própria vida,
devir de eternidade finita,
criações e possibilidades,
ilusões insanas,
paixões profanas,
pulsões mundanas,
sentimentanimalidades.
EXÚSEMOS!
Porque ser apolíneo ou dionisíaco
se aqui a essência é tupi-nagô?
Aqui, entre aleluia e amém,
no samba que anima a viagem de trem,
é na macumba cirandeira que expressamos amor
e seu valor Oxalânico, Exusíaco,
fonte do jeito de ser e da fé nessa terra-terreiro de candomblé,
onde a música tem a força do maracá-xuaté,
os corpos da potência do Axé,
e a festa é forma de celebração do que cremos.
Então, Laroyê, Exúsemos!
E, com os Orixás e nossos ideais,
façamos em luta amorosa a paz que queremos.
DE LUTO, LUTO PORQUE LUTAMOS
Luto e lutamos, todos os dias, contra um poderoso inimigo, contra o racismo, antigo mas ainda muito forte, contra a nossa morte, diante de qual, e de luto, rezo de corpo dilacerado e peço conforto às forças que cremos. Luto para que nós e eu mesmo nunca nos sintamos conformados frente a tristeza, à pobreza, e à fraqueza de ver supremacismo, fundamentalismo, capitalismo, e sua forma genocida, o bolsonarismo, como fatos consumados e que nos resta suportar o horror. De luto, luto porque lutamos, na fé de que, juntos, podemos fazer do mundo um comum de amor.
LÓGICA
Se o amor vivifica, fortifica, edifica, amplifica, modifica, simplifica, unifica, corporifica, então fica pra ele nos corporificar; senão, desmistifica, especifica, dá uma dica, me explica, justifica o que significa não nos termos para amar.
TESSITURAS
Minhas dores, meus amores, os esplendores e horrores que investem em minha vida, que me fazem mergulhar na desmedida, passam por releituras, por recomposição das partituras, por novos tons com cheiros de flores e bons sabores de beijos que causam tremores e deixam gosto de vinho na boca, por sons do roçado do corpo sem roupa do amor da minha cor que eu desejo chamar de meu. Quero outras tessituras, muitas formosuras e responder com ternura ao que me afeta, ser meu próprio deus, um poeta.
DESEJO VADIO
O tambor que no peito palpita, num ritmo sem destino, faz-me sentindo ainda menino mergulhado em fantasias. Num caminho indefinido maior que meu tempo de vida, sou amante do amor que em poesias irradio. Sou apenas um desejo vadio.
MINHAS COMPETÊNCIAS
Desejar, buscar, encontrar, vadiar, amar, me lambuzar e me perder. Questionar, pesquisar, pensar possibilidades, escrever pretinhosidades, desensinar e ajudar subverter.
TÃO PERIGOSO QUANTO
São demais, nesta vida, os perigos. Mas sem sentido, tão perigoso quanto gostoso é viver e poder experimentar com gosto os perigos, ver o monstro, constatar que não há abrigo onde posso me abrigar, além dos bons amigos. Tão perigoso quanto gostoso é se entregar no lampejo ao desejo, ao amor com sem segredos. E para assustar o medo da dor que o perigo causa, dar uma pausa pra celebrar e descansar do cansaço que a vida impõe, de preferência com a doçura do bolo de mãe, antes de continuar.
SEM VIRAR LATTES
Além da metida universidade, há inteligência vivida e intelectualidade e vida na desmedida academia da quilombagem, que tem estudo sobre tudo, com ginga, autonomia e mocambagem, coletivos de pesquisação, fichamento da realidade, criação e discussão de pensamento, ciência feita lenta no dia a dia, sem a tormenta da monografia e a rabugenta banca que avalia, onde há debate, arte, poesia, aprendizagem criativa, ações afirmativas, produção de tecnologia, outras epistemologias, inovação por toda parte. Melhor e mais produtiva é pesquisa sem virar lattes.
MULTIDÃO DE VIDAS
Há em mim muitas vidas,
as falecidas,
as envelhecidas,
as rejuvenescidas,
as recém nascidas,
as que entram através da comida,
as que morrem com bactericidas,
as parasitas,
as que me recriam todos os dias,
a enfurecida,
a suicida,
a homicida,
a que quer a partida,
a eticamente vadia,
a sem medida,
a que acredita,
Há em mim multidão de vidas.
EU SOZINHO
Sozinho preciso ficar suficientemente. Sozinho além do suficiente, fico querente, quero sorrisos e quero carinhos, tenho vontade “di-ver-gente”. Sozinho além do suficiente, fico na rede e fico com sede, bebo aguardente. Sozinho além do suficiente, dói uma dor lá no fundo, e com dor eu me masturbo, fico muito indecente. Sozinho além do suficiente, pelo teu corpo imploro, águas transbordam os meus olhos ao ver foto da gente. Sozinho quando necessário meu imaginário cria intensamente. Sozinho eu faço poemas, teses e teoremas, não descanso a mente. Sozinho imagino urgias e antropofagias, pra romper correntes. Sozinho eu penso em política e elaboro a crítica, subversivamente. Sozinho sentimentalidade e animalidade em mim são convergentes.
AMOR COMUM
Amor comum, muitos num, como nós querendo ser um só depois do nó que nos fizemos ao encontrarmos eu e você naquele lugar, com aquele olhar, para experimentar a surpreendente surpresa que foi a beleza de encontrar, tocar e começar o que não passa, a sentimentanimalidade, a amizade, o apreço pelo que somos juntos, a suavidade devassa, o vigor, tudo que nos faz um e muitos num comum de amor.
VERSOS GEMIDOS
Com tanta saudade e desejo à nossa espera, finalmente te vejo, e tu se achegas querente lindamente negra, não nega vontade, e já de blusa arrancada e calcinha rasgada se entrega à desesperada língua molhada que te invade pra sentir, na fonte melada, o gosto bom e o som da respiração que aos poucos vira grito, quando a penetração com tesão faminto faz imergir os corpos num escrito de antropofagias, a compor com tremidos os versos gemidos de uma doce poesia.
ANEGRIA
É no encontro dos nossos olhos, na energia da tua anegria indecente, no arrepio ao toque das mãos, que, cheio de emoção, o amor morre de amor suavemente.
BELEZA PRETA PURA
Menina cor de ternura, Moça de muita bravura, Mãe carinhosa e dura, Mulher que ama sem compostura. Beleza Preta pura, que dispensa pinturas, mas se enfeita pra deixar além de perfeita a sua formosura.
BOCA INDECENTE NUA
A boca é algo mais que fala quando não se cala de qualquer jeito. Em antropofagias de desrespeito à hipocrisia da moralidade, a boca com monstruosidade, e sentimentanimalidade, grita e pode fazer gritar, quando degusta, morde, chupa, quando sua potência assusta ao expressar desejo e tara. Vestida do vermelho que insinua, a boca indecente é nua, e quando vândala no amor ou na rua, é revolucionária.
IVAN
Eu, No afã de descobrir a vida,
ouvia e admirava o que sempre falava Ivan, meu Pai,
que com palavras, gestos, samba e bons afetos,
me dizia “Filho, estude, se cuide,
pois viver é produzir in(ter)dependência,
louvor da imanência, insistência em fazer e fazer-se Amor”.
Hoje, com saudade, sou seguidor dessa Pretinhosidade
e fã do meu Pai, Ivan.
LUSIA
Lusia, Filha de Joaquim e Maria,
Negra menina bela
que conheceu Ivan, ficou fã,
virou do Nascimento
e corpo do meu nascimento,
eu saí de dentro dela.
Lusia, Mulher Pretinhosidade
que me ensinou a vida,
com seu peito,
a suavidade do seu chinelo,
suas frases de efeito
e a formosura do seu jeito singelo
de cuidar, de amar,
de preparar o chá que cura
e a vitamina de abacate
que dá gosto bom à memória.
Lusia, Mãe de Cacati e minha,
Vó das nossas crias,
Mãe da nossa trajetória.
A GENTE
Um gozo
pretinhoso
querente
grandioso
fervente
amoroso
indecente
sem censura
que é comum
nos faz um
de misturas
e chamegos
lindamente
com a boca
sem a roupa
corpos negros.
É a gente.
MOÇA DO RIO BONITO
Moça do Rio Bonito Cabedelo. No pôr do sol com bolero, seu sorriso e o seu belo black power no cabelo é pura suavidade. Moça de pele escura, graciosa formosura, linda Pretinhosidade.
POR ISSO SOU BLACK BLOC
Não quero mais injustiça, não quero mais que matem pobres, não quero mais que matem negros, não quero mais crimes de polícia. Quero viver em sossego, quero o fim do ódio racista do BOPE, quero o fim da covardia do Choque, quero o fim da UPP, quero ver o amor prevalecer. Por isso sou Black Bloc.
GENTE DE AMOROSA FÚRIA
Gente que resiste,
gente que insiste,
em não se deixar remover.
Gente criativa
de novas possibilidades,
gente produtiva
de pretinhosidades,
gente que apenas quer ser
feliz na sua favela
sem a imaginária cela
imposta pela UPP.
Gente que vive da sua labuta,
gente que ensina o amor luta,
contra o parasitário poder
do capital ditadura,
das empresas e sua prefeitura,
do Estado e a sua polícia espúria,
e contra outros filhos da puta
que, de terno e toga,
a serviço dos que vendem droga,
temem que essa gente junta,
com sua amorosa fúria,
convençam toda gente a crer
num mundo diferente,
num comum de muita gente
em outra forma de viver.
FRÁGEIS IMBECILIZADOS
Frágeis corpos revestidos, de azul, preto ou camuflados, mexidos pela caveira que lhes tira o coração do peito, ex-gentes perdidos, raciocínio destruído, embrutecidos e armados. Com cérebro configurado e agir adestrado pelo militarismo, os frágeis corpos manipulados são máquinas de barbarismos para o poder e os que lucram em manter um Estado de Exceção que aqui é o normal de um Estado que é só covardia, um caveirão “passa-e-fica-a-dor” sem um pingo de amor e pronto pra fazer morrer sem compaixão, com euforia. Frágeis imbecilizados, fardados e incapacitados para ver que estão a serviço do mal, que são milícias do capital que viola a democracia ao condenar todos os dias, em favor da gentrificação racista, as pessoas das favelas ao sofrimento desmedido, ao risco de ter ao lado uma vela para os lucros de uma corja. Aos frágeis fardados tornados bandidos por um Estado fascista, Deus, peço sua misericórdia.
ESCÓRIA
É triste, mas infelizmente existe algo que faz de alguém ex-pessoa que quando fardada e armada perde a inteligência, é apenas violência a serviço do poder fascista. Algo que transforma gente em escória racista, que interrompe histórias que poderiam ser muito mais, ser de proteção à paz, ser coisa que outros não temem. É triste ver no que se transforma alguém que se torna PM.
PORVIR
Possa eu aprender mais na relação, nas ruas com a multidão e nas salas de aulas onde ensino. Possa eu envelhecer para viver a emoção de um devir menino. Possa eu fazer mais amizades, experimentar novas viagens e, para o mundo, escrever mais sobre o comum e as pretinhosidades. Possa eu, à minha Preta, me doar como oferenda, na desmedida devoção que me faz devoto dela. Possa eu, junto a ela, em nossas animalidades, produzir sua-vida-des. Possa eu ver meu filho pai e também ser pai de uma filha, pois crianças tem olhos que brilham e nos fazem sentir bons afetos. Possa eu contar histórias, quem sabe até jogar bola, com netas ou netos. Possa eu conhecer mais, pois falta em mim muito do que ainda não foi vivido. Possa eu, no porvir, mais lutar, mais cuidar, mais amar, provar o que me falta ser sentido.
SOU
Sou
mais eu
quando nós
somos eu e você.
Sou eu em nós,
ao me entregar
em meu lugar
você.
LAMPEJO
No vazio da noite, num sonho-açoite
em que, feito navalha, alguma coisa corta,
de repente em minha frente, num lampejo,
a dona do que desejo fala ao abrir a porta:
não mais espero, mas eu quero, volta!
ENVOLTA
Com volta, eu sonho um novo encontro, um reencontro com a suavidade que em nós continua. Com volta ao lugar que sinto meu, seremos de volta o toque de mãos, o olhar que insinua, o sorriso, o cuidado, a emoção do beijo na boca exagerado pela saudade e aquela vontade louca que o corpo nunca esqueceu. Envolta, vivi a ilusão de negar a devoção que não desapareceu. Com volta o comum de amor se afirma. Em volta a tristeza é forte, mas anima a certeza que, por volta, grita em voz alta. Por volta, diz a voz, em nós somos eu e você o que falta.
CONTINUA EM MIM
Sem pensar, te perdi tentando me encontrar. Sem querer, fiz você desapegar. Sem você, sem sentido é o meu sentir. Sem sentido, é a saudade que está comigo. Com saudade, o meu corpo é só vontade da energia que gente dizia que seria sem fim. Sem você, o lugar que fizestes continua em mim.
INSUBMISSÃO
Insubmisso ao feitiço de uma tenra beleza e à delicadeza envolvente de um canto de Ossanha, que por pouco não me apanha de vez com a sutileza do seu canto, o vandalismo desejante que me ocupa me fez perceber, sem o moralismo da culpa, que é teu acalanto o recanto, a prenda guardada na memória do meu corpo, aos poucos feita da história que fizemos e do que temos ainda a fazer, juntos, num comum de amor, eu e você.
NUM NÃO LUGAR
Sem ela o tempo é lento, é um silencio que preciso lenço para me acompanhar. Sem seu alento me sinto num não lugar, e devagar, numa estrada que leva a nada, sem a pretinhosidade de prenda. Faltam sentidos, sobra sentimentos contidos, me acho sempre perdido. A vida ficou mais lenta.
PARA O LEVANTE CONTRA O RACISMO
É de causar asco. Negros pelos cartolas vetados, negros invisibilizados pelo carrasco, negro refém do partido-tribunal. Negros presos por serem negros não são poucos, Baiano e muitos outros que não podem pagar o arrego ao desembargador. Negros mortos por serem negros, Amarildo e outros pais, filhos e maridos, pelo horror armado Estatal. Negros sem o respeito da Igreja intolerante que produz cristãos ignorantes, negros sem direitos e com medo da polícia que faz do policial capataz, dos doutos feitores do judiciário e das milícias do deputados. Tem negros assassinados e humilhados todos os dias no noticiário. Mas se é negra a população, a carne da produção, o devir da hibridação e a cor da multidão, então boicotemos o injusto judiciário, a abominável polícia, o deputado chefe de milícia, a empresa do sinhô-empresário, o preconceito da cerveja, a discriminação da igreja, o evento que veta negros artistas, e façamos da indignação um levante pela destruição de tudo e todos que são racistas.
O QUE PROCURO
O que procuro? Talvez a vista desde um mirante, um lugar escuro onde eu possa ser desejante, devorante, gozante, impuro. O que procuro não sei, mas sei que não é porto seguro, não almejo futuro, mas um caminho inseguro, um corpo sem o muro da moralidade, uma vadia imprevisibilidade, um comum onde misturo possibilidade ao desejo. Sem utopia e esperança, não procuro nada além da sentimentanimalidade monstruosa do teu beijo.
ME PERDI, TE PERDI
Me perdi de nós no tempo, deixei o vento do tédio me levar, deixei-me levar pelo assédio das capturas, deixei de ser amante da formosura que somos juntos. Descuidei, precipitei, abri ferimentos profundos, difíceis de curar. Me perdi, perdi você, nos deixei e deixei um belo amor ao deixar o amor morrer por falta de cuidar.
ACABOU A REPRESENTAÇÃO
Acabou a representação, o mito da cordialidade, a “democrática” falsidade. Nos encontramos agora num papo reto, num embate direto, com os exercem o poder, os que vivem da corrupta exploração. Que a virtude da multidão afronte a fortuna e suas tropas de maldade e exterminação, com ocupação contra o estado constituído, com amor constituinte de formosuras, com bravura pra fazer fissuras no que deve ser destruído pela reconstrução. A defesa da vida, da liberdade e da igualdade, pela desobediente desmedida contra a elite canalha, será produzida por quem de fato trabalha e por justiça tem sede, por pretinhosidades nas ruas e nas redes, sem mediação.
DE NÓS NÃO VAI TER ARREGO
Em nós o desejo é maior que o medo. E pra você não tem segredo, nós somos, monstruosa e nua, a multidão que não vai sair das ruas e nem vai dar arrego ao poder da covardia. De nós a tua paga é enfrentar a praga da democracia. Tu que cumpres ordens de bandidos, vais ficar espantado com tantos amarildos mascarados sem a máscara da farda. Em nós o amor é a arma que não vai te dar sossego, a corrupção armada de nós não vai ter arrego.
AMARÉ, AMARILDO
Amar é a Maré,
que o BOPE dez-terminou.
Amar é Amarildo
aquele que a UPP matou.
Amar é a manifestação
sobre a qual o CHOQUE avançou.
Amar é a máscara
que a lei do poder criminalizou.
Amar é a marcha da multidão
contra os bandidos e seu governador,
é ocupar palácios, quarteis e praças,
é quebrar as vidraças da corrupção,
é produção do amor na luta,
aqui, nua, na rua, na disputa,
com pretos, pobres, prostitutas.
Amar é ato de revolução.
ALERJ(IA)
ALERJ dá alergia. Lá bandidos são a maioria, uma escória de vendidos aos interesses mais escrotos, um esgoto de hipocrisia fedida, que veneno pra rato não dá jeito, e por isso deve ser destruída. Lugar de violar os direitos e de fazer covardia, a ALERJ dá alergia.
PM
Hoje, mais uma vez, fui incomodado violentamente e desrespeitosamente por um agente do Estado, do qual já sou fregues, um policial fardado que fez bem sua missão. Eu vinha da manifestação, dirigia um carro, sou professor em greve e preto, então ele fez a cena e mandou o escarro: “é tudo que não deve, tenho que por algema, pois você é suspeito”. Era um jovem rapaz, mas tinha olhos de rapina, estava querendo propina e doente psicologicamente da fragilidade de se achar autoridade autorizado a violar direitos. Tive pena do capataz, que é formado pelo racismo e pelo autoritarismo do militarismo e da corrupção que quer sobre nós barbarismo ao lhe dar arma na mão.
RACISTA É HORROR QUE DEVE SER ELIMINADO
Racistas não gostam dos que lhes são diferentes. Um racista, na verdade, não gosta de outra gente porque se vê inferior, e por isso usa o terror e ataca feito lobo violento. Tem racista com talento, que apresenta jornal da globo, que é produtor de publicidade, que comenta fatos no rádio, que insulta jogador negro no estádio e é ator de novelas do horário nobre. Racistas entram em favelas pra deixar no chão corpos de pobres. Racistas não gostam do plano de termos aqui médicos negros cubanos, porque são negros e têm mais conhecimentos. Racistas do CRM são como PMs, inventam argumentos ridículos, pra não dizer que não gostam de pobres com dor. Para o racista pouco importa o currículo, o que incomoda é a cor. Racistas, muitos deles e delas, ensinam em escolas, universidades, são contra as cotas que promovem a igualdade e omitem que áfrica é berço da humanidade. Tem racistas donos de empresas e racistas que dizem que sua empregada até come sentada com eles à mesa. Tem racista deputado-pastor, tem militar-deputado racista, racistas temos bastante, tem racista defensor, jornalista, filosofante, delegado, tem racista promotor juiz deputado capataz do governador mascarado. O racista é um horror que deve ser eliminado.
UPP
Unidade de Polícia Pacificadora. Parece piada o nome dado a Unidade Produtora de Perversidades, desrespeito e violação de direitos de pobres e pretos na favela, e maldades que a novela não revela, mãe sem filho, família sem pai e marido. Aliás, onde está o negro Amarildo? Unidade de Pessoas Psicologicamente-frágeis, tornadas máquinas de morte ágeis, sem crenças e expectativas nas possibilidades da paz pelo amor, abominações cognitivas que quando “passam fica a dor”, agentes fardados pelo horror do Estado terrorista e da gula empresarial, capachos de uma elite nazista e da branquitude racista, sem coragem de transgredir as ordens do mal. Unidade de Pilantragem Policial.
FUNK
Rebelião na rua é Funk, Funk na rua é rebelião. Arte de corpos impuros despidos de moralismo, juntos e ungidos na resistência comum ao caô da discriminação, de uma tal resolução, denuncia do horror armado da escória de fardados a serviço da exploração. Funk não é coisa que esquenta, é grito que se alimenta de gente junta na luta sofrida, potência ao som do tamborzão, defesa da vida contra o racismo, negroperspectivismo da favela em expressão.
NÃO É POR VINTE CENTAVOS
Não é só por vinte centavos que explodiu o levante nas ruas. É pela defesa da vida minha, pela defesa da vida sua. Não é por vinte centavos que a multidão, monstruosa e nua, enfrenta o caveirão, os assassinos do Estado, não respeita deputados e nem os grupos no poder. É por nós, por mim e por você, que o atentado à ordem e progresso quer o efetivo acesso de todos aos direitos. Não é por vinte centavos que xingamos prefeito, governador e presidente, é por toda essa gente que não mais aguenta, que não quer mais a corrupção que a representação representa, que quer vida digna e paz e não tolera mais o entreguismo de tudo ao capitalismo que só explora o povão. Por isso que o comum-ativismo, contra a exploração, a homofobia e o racismo, se faz antropofagia. Não é por vinte centavos, mas é contra tanto cinismo, que a potência do vandalismo exige democracia.
ME LEVA
Fica, não parte. Temos artes ainda a fazer, desejos ainda a sonhar, impossibilidades pra possibilitar juntos, eu e você. Sem a tua suavidade vai ficar o frio, um vazio vai ficar na tua ausência. Não sai da gente, não perca a crença, seremos quentes nós em nossa presença se você ficar. Releva, mas me leva se for pra não mais voltar.
NÓS É UM NEGÓCIO BACANA
Nós é um negócio bacana. Depois de uma agitada semana acordamos juntos, e juntos fizemos preguiça na cama, o café da manhã, com pães, frutas, suco de maçã e fomos para as tarefas da casa. Primeiro, no supermercado, compramos um bocado de coisas, vários ingredientes, escolhidos afetivamente, para fazer um prato de massas. Na verdade, a compra foi pra fazer o jantar, pois a nossa vontade para o programa da noite era apenas ficarmos conosco. Pondo produtos no carrinho, uma prova de carinho, recebi dela um doce olhar e lhe dei um beijo no rosto. Lembramos então da importância do vinho, que harmoniza, suaviza o paladar e deixa na boca um bom gosto. De volta em casa, ela cuidou da sala e do quarto, eu de cozinha, banheiro e quintal. Na arrumação encontrei um retrato de um improvável casal há anos atrás. Paramos o tempo para falarmos do tempo que isso faz, quando a gente ainda era temente do que seríamos juntos. Hoje isso não tememos mais, pois o que parecia território incerto, deu certo e agora nós é o nosso lugar. A fotografia ajudou muito a emocionar o jantar, preparado em parceria, que com o vinho selecionado teve gosto de poesia, lembranças de aventuras que vivemos, planos do que ainda queremos, assuntos da atualidade, promessas de suavidade e, tomados de animalidade, fizemos de nós sobremesa, deliciosa impureza sabor de pretinhosidades.
MOÇA BONITA
Pra você, moça bonita,
Pro teu gosto bom de vinho,
Pro teu suave carinho,
Pra tudo teu que me excita,
Pra tua boca que atiça
Pro teu beijo delícia,
Pra fera que devora e assusta.
Pra você que me degusta,
Pro teu cheiro de terra molhada,
Pra você, Pretinhosidade amada
que habita os meus sonhos.
Flores, beijos, meu desejo
e as bobagens que componho.
SAUDADE
Saudade, palavra doce que traz tanto amargo. Saudade é como se fosse espinho cheirando a flor. Saudade, ventura ausente, uma dor que o peito sente sem saber como e por quê. Um desejo de estar perto de quem está longe de nós. Um és, não sei ao certo se é um suspiro de incerteza que uma esperança alivia. Essas três sílabas hão de compor uma bela canção. Bendita a dor da saudade que faz sentir o coração. Saudade, numa carta ou numa flor um olhar que de lança. Saudade, irmã da esperança.
MANIA MINHA
Ela é gôsto que não some, Axé d’Oxum que me preserva, fome que me consome, é pra onde todo atalho me leva. Dela, a vontade só aumenta, e pra ela, que fez seu lugar em mim, que é lugar onde devo estar, sim, quero me dar como oferenda e com amorosidade. Pois ela está em meu tudo todo dia, é dengosa mania minha, minha Pretinhosidade.
PENSO EM VOCÊ
Penso em você. Imagino você naquela porta, entrando pra ficar e recomeçar de onde paramos. Penso em você de volta e na volta que a vida deu em nossas vidas. Frente à saudade que parece infinita, penso na pretinhosidade que fomos, nas coisas que não começamos, no que deixamos de viver, eu e você, no que permanece no armário vazio, no calor grande do norte e de janeiro dos rios e nas noites gaúchas de frio das nossas viagens, nas vadiagens que ainda podemos fazer, eu e você. Penso, a partir da lembrança que não deixa esquecer, em nossas andanças por aí de mãos dadas, nas tuas queixas e no que te dizer. Penso agora em mais nada, apenas em nós novamente, eu e você.
DESDE QUE DE NÓS FOMOS EMBORA
A saudade bate, abate, te procura. Pelo teu corpo implora. Mas sem cura, desde que de nós fomos embora, o que sinto é somente vontade da pura imoralidade, da suavidade impura, daquela melada ternura no gosto de nossas bocas lambentes. É grande em meu corpo a saudade das pretinhosidades que somos nós para a gente.
VOCÊ QUANDO AMA
Você quando ama é insana, não cansa e, como criança, reclama querendo mais, querendo o mundo, querendo tudo em você, que quando quer faz loucura com o que tem, e faz muito bem, faz com prazer. E como você, mulher que me faz despedir com vontade, é pretinhosidade que ao sair me deixa sempre à espera. Você quando ama se inflama, é orgasmaravilhosamente fera.
MAGIA
Eu com saudade, cabeça confusa, sem direção. Ela, pretinhosidade intrusa cheia de amor, me usa e com seu sabor fez mais confusão acontecer. Ela é feiticeira, não dá pra correr desse encanto e não há quem não queira a energia que ela traz quando chega. Eu em busca de paz e me surge, linda, essa nêga frente ao meu rosto. E agora, sempre mais a cada dia ela é a própria magia que me prende ao seu gosto.
GOSTO DO CUIDADO DELA
Ela chega sempre com sorriso no olhar e, cheia de graça, me abraça e logo depois de beijar pergunta como foi o dia. Sempre reclama da minha olheira e que não usei hidratante na canela. Generosidade e alegria, Pretinhosidade bela. Gosto muito da energia e dos cuidados dela.
ENXAME
Eis que surge um monstro emergente,
um movimento que cresce potente,
intolerante aos governantes que disputam
o dinheiro das empresas de rapina,
indignados contra filhos da puta
de terno, de toga e de farda,
contra a armada estupidez truculenta
que odeia negro, pobre
e quem não paga propina.
É levante dos que não mais aguentam
a esnobe podridão,
a suja negociação,
o racismo da remoção,
o choque de segregação,
a negação de direitos
e tantos outros desrespeitos,
como o aval pra matar pretos
concedido ao policial.
É o levante contra a política
a serviço do Capital.
Chegou a hora da crítica
ser desobedientes com cede,
ser fome de democracia,
fazer-se antropofagia,
constituir-se em redes.
É o Comum pelo fim dessa farsa,
Multidão num enxame de massas,
ocupando mídias, ruas e praças
num grito de arrebentar paredes.
COMUM
E o Comum, o que é?
É um conceito em aberto,
É algo ainda incerto,
monstro em constituição,
confluência de Axés.
Mas o amor é seu ponto de partida,
e seu preceito a multiplicidade,
pretinhosidades em produção de direitos
e de expressões de humanidade e vida.
No Comum as diferenças
não são indiferentes,
o que importa no Comum é gentes
e o ser pleno é a crença,
o Comum é relação.
E relação em outra estética,
é quilombismo como ética,
é expressão de um outro mundo,
não é representação,
é democraciocupação.
No Comum somos Ubuntu.
LEVANTE DOS BAMBAS
Sonho e aposto que está chegando o dia
em que a elite fascista,
por seu ódio racista dos pobres,
pelo o que sua burrice fardada considera nobre,
será, pelo levante da democracia, eliminada,
transformada em feijoada
num sarau de funk e samba.
Será o levante dos bambas,
a festa do povão,
onde ao som do amor nos atabaques,
as muitas pretinhosidades
farão a nossa cidade
do Comum a expressão.
FAÇAMOS AGORA UM ATENTADO
Pra você que anda apressado,
preocupado com o tostão
e olhando para o relógio,
eu tenho um recado:
Vá com calma, a morte é certa,
ouça o grito indignado,
indignados e cheios de ódio ,
deste agonizante poeta.
Você escuta?
Você enxerga?
Ainda não percebeu que na calçada
há corpo maltratado, desrespeitado, assassinado.
Há crianças mortas na porta da igreja
que tu rezas na missa.
Há pessoas pedindo pão no bar que tu bebes cerveja.
Há gente precisando de casa pra morar,
sendo expulsas do barraco que conseguiu levantar.
Por canalhas de terno e bonecos fardados,
caveiras racistas armados
com muito sede de matar.
Enquanto você assiste novela
eles invadem favelas
e oferecem às pessoas o caixão,
se orgulham do corpo que deixaram no chão
com a marmita suja de sangue
e cheia de um suado arroz com feijão,
de um homem negro, pobre, sofrido, oprimido,
De mais um Amarildo fodido,
agora desaparecido, torto, duro e morto,
com a manchete do jornal que ironiza,
com a mãe ao lado que agoniza,
e com o filho que fala:
“Pai, levanta, vai chegar atrasado,
sua comida está no chão”.
No sonho da menina eu acabou de ser morta
havia deus, marido, véu, grinalda.
Seu irmão, que assistiu tudo atrás da porta,
agora sem pai e mãe, lhe resta a tia e a fralda.
E foram eles, os vermes de farda.
E você? É, você que me lê agora,
pense um pouco na vida,
olhe um pouco pra fora,
não aceite o que assiste, agite, grite!
Podemos transformar, acredite.
Podemos destruir o deus que cremos
e inventar um deus mais justo,
pois pra não morrermos de tiro ou susto,
é preciso acabar com o poder imoral,
com a unidade de pilantragem policial,
com o governo servidor do Capital,
destruir pra construir justiça e paz.
Deixemos de ser covardes conformados,
façamos, agora, um atentado!
Pois amanhã será tarde demais.
NAMORANTES
Quanto mais nos queremos, mais querência. Mais incomoda a ausência de você e eu em nós. Mais o nosso cheiro nos lençóis se afirma. Mais o amor se anima a nos fazer namorantes, amantes desse juntos na vida. Mais o teu corpo ofegante me compõe, se impõe e ocupa o meu. Mais tua antropofagia, indecente anegria, faz desse encontro um encontro com Deus.
PRENDA MINHA
Com você fui além do lugar onde nunca foi ninguém, me sinto sem, cem mil, senil, sentimentos, sentindo coberta quentinha. Companheiramada, eternamorada, para sempre Prenda Minha.
EM PAR
Me quero em você,
indecentemente amante,
em ritmo estonteante,
sem medida, intensamente,
para te ouvir gritar de gostar,
e para, em par, imoralmente,
porém suavemente,
sentir o amor melar.
QUANTO MAIS
Quanto mais nos encontramos mais dá vontade de encontrar. Quanto mais abraços maior a vontade de abraçar. Quanto mais você me olha mais meu corpo te implora, e, em desmedida devoção, te adora Quanto mais presente é a presença mais aflora a emoção, mais intensa é a crença que o que dá saudade, o que nos faz pretinhosidades, é a pertença de nós a nós juntos. Quanto mais o amor se faz Ubuntu, quanto mais eu sou mais você, mais eu me sinto mais eu, mais esse encontro me faz entender que o que sempre faltou em meu corpo é o teu.
APRENDIZADO DE UMA VISITA IMAGINÁRIA
Quando estive na África do Sul visitei uma comunidade de etnia Zulu. Lá conheci pessoas, assisti a uma apresentação de danças e pude presenciar alguns costumes, o principal deles era o de fazer as coisas coletivas sempre da forma mais simples e em grupo, nunca uma pessoa só, como quando, no almoço, usei as mãos para levar os alimentos à boca, sentado no chão junto com outras pessoas em volta de um belo tecido colorido onde foram postas as comidas. Tudo muito alegre, solidário, suave e lindo. Já quase na hora de voltar para o hotel onde eu estava hospedado, como havia naquela comunidade muitas crianças e elas gostavam de futebol, propus a elas uma brincadeira para eu me despedir, uma corrida em que a criança que chegasse em primeiro lugar ganharia uma bola como prêmio. Elas imediatamente toparam. Então organizei as linhas de partida e a chegada. Todas as crianças se posicionaram na linha de partida e o combinado era que quando eu desse o sinal elas começariam a correr e direção à linha de chegada. Com tudo pronto, dei a partida e as crianças iniciaram a corrida. Curiosamente para mim, elas correram juntas e chegaram juntas na linha de chegada. Como achei aquilo diferente, eu lhes perguntei porque fizeram isso, ou seja, porque saíram, correram e chegaram juntas. Uma delas me respondeu: É Ubuntu, senhor, somos cada uma e cada um de nós porque nos fazemos e fazemos tudo juntos. O senhor não percebeu que tudo que fizemos hoje, fizemos juntos? Meus olhos transbordaram de emoção. Nunca uma experiência me afetou tão fortemente. Ubuntu, ternura e constituição comum do comum. Pretinhosidade.
APOLOGIA
Há um sentido na vida: viver e morrer. E se sabemos que a morte é certa, porque não sermos poetas e apologetas do Ubuntu, onde singularidades produzem em condições de igualdade, melhores condições para os muitos. Revolução é recriação do ser. Que sentido tem acumular riqueza? Que sentido tem devorar futilezas que devoram subjetividades? Porque acreditar que ter seu trabalho explorado dignifica? Porque acreditar que o catequismo qualifica a um paraíso transcendente? Ora, a vida é experiência imanente, agora e aqui, Aiye-Orun. É porvir incerto, aberto à est-ética da desmedida, é criação destemida, é fazer em comum, o comum.
EXTREMO QUÂNTICO
Quando se vive um amor não romântico, mas extremamente quântico, a gente perde a compostura, vira substância impura, desejo profano, pessoa vadia, e amar, ato de antropofagia de um corpo pós-humano, ardente feito pimenta, sabor que esquenta e queima, efeito que no corpo teima, tesão que só aumenta e aumenta o som do gemido, num agito aflito pra gozar, mistura de mãos e pernas em desmedido espasmo, intensa imoralidade, eternanimalidade, orgasmo que leva gritos a ecoar no ar.
NÊGA
Essa nêga me atiça, nêga que é meu chamego, meu lugar, minha saudade, cheia de dengo e malícia quando diz que o seu nêgo é uma pretinhosidade.
INÍCIO
Eu me sinto no início, no momento em que tínhamos nada, no instante em que fui (en)cantada e me tornei viciada. Sim, tenho por nós um louco vício, que é mais forte cada dia. Desde o início, “descalços na terra molhada”, expressamos poesias, somos antropofagia, lindas pretinhosidades, eu e você em você em mim, e o desejo da urgência de nós em nossa presença com muita suavidade. Início que não fim.
MULHER DA VIDA
Sou mulher que o moralismo tenta manter constrangida,
uma mulher como outra qualquer,
porém maltratada e desrespeitada
apenas porque sou uma mulher que ganha a vida
oferecendo carinhos e delírios gozantes,
O meu corpo é do homem viajante,
do trabalhador discriminado,
do marido não amado,
do jovem estudante,
do pastor da igreja crente,
do político decente,
do empresário de terno e gravata
do padre celibatário de bata
do nordestino retirante,
do cristão moralista
do João, do Raimundo, do Batista,
o meu corpo é de muitos amantes.
Uns me chamam prostituta,
outros me chamam de puta,
alguns meu chamam “meu amor”, outros de “minha flor”.
Gosto daqueles que me chamam de mulher,
porque mulher é o que sou,
mulher que é muito mais
que um corpo na cama,
uma mulher como outra qualquer,
que também, sangra, sonha e ama.
VENENO PROFANO
Suave veneno profano,
que me faz um amável insano
a querer te sentir gozar,
que me faz corpo que reclama saudade,
Prenda Minha Pretinhosidade,
negra brilhante,
que quando chama
me lanço pleno, amante
dessa morte em que a gente sente
no gozo a vida, eternidade finita,
potencia do ser vivente.
POR OUTRO NORTE PRA CIDADE
Está chegando o grande evento,
o levante Guajajara-Nagô
contra o choque de racismo,
a remoção internação forçada,
o entreguismo e o horror
da armada pacificação
em que o pacificador passa-pra-deixar-dor.
Está chegando grande o dia
dos pobres em multidão,
cansados dos fardados escrotos
e de viver na lama e no esgoto
ao lado do maracanã,
promoverem a grande orgia,
em que o Paes e o Cabral,
e também o tal de Merval,
juntos com seus chefinhos,
marinhos da fundação,
os deputados de quatro,
e juntos injustos juízes
e também generais infelizes,
serão esquartejados
numa comemoração
com macumba, com cachaça,
com gente de todas as raças
e muitas pretinhosidades
pelo fim da corrupção
que é a representação,
por uma outra relação,
por outro norte pra cidade.
CUIDAR DO OUTRO, CUIDAR DE MIM
Cuidar do outro é cuidar de mim,
Cuidar da outra é cuidar de muitos,
Se é só de mim é trabalho morto,
Trabalho vivo é fazermos juntos
é resistir e forçar o fim
de tudo o que é estatuto humano,
em nome do comum profano
das muitas singularidades,
rizomas da liberdade,
crentes na revolução no Ser,
na recusa do dever,
na criatividade etílica,
no imoralismo como política,
na impureza do proceder,
minha conduta é gatunagem,
sabotagem do consenso,
hackeagem, pirataria,
rito de antropofagia,
ato de amor intenso.
Na cidade em que gentrificação
é choque de eugenia
e preto e pobre é porcaria,
nego que a casa é minha vida,
nem nado em MAR de ex-artistas
a serviço da fundação.
Quero viva-a-cidade,
mar de pretinhosidades,
estéticas, de fato, nobres,
porvir da potência dos pobres,
devir de outra relação.
PRETINHOSIDADES
Se somos um comum de amor
e um amor que faz comum,
somos vários produzindo um,
espinhos com aroma de flor.
Se somos feitos de muitos,
somos samba, beleza e Axé,
somos corpo de Mulher,
subjetividade Ubuntu.
Se somos rizoma-liberdade,
somos devoração ativa,
somos açôes afirmativas,
somos negras pespectivas.
Somos Pretinhosidades.
AMOR REVOLUÇÃO
Amor que se quer Ubuntu,
Amor que é mais que um,
Amor além de nós,
Amor que quer no mundo
o Amor pelo Comum.
Amor monstro feroz
e sem pudor estético.
Amor biopolítico,
imoralmente ético.
Amor sabor etílico,
gosto de seriguela.
Amor que exala cheiros
e aromas indecentes.
Amor que goza e mela.
Amor criolidade,
saber e cor da virtude,
Amor negratitude de pretinhosidades.
Amor fé imanente,
que come e refaz a gente,
Amor antropofágico,
devir da criação.
Amor que não é mágico,
que em nada é fantástico.
Amor, porém, fodástico.
Amor revolução.
SOU PORQUE NÓS SOMOS
Sou porque nós somos. Sou contra o racismo, sou quilombismo, negroperspectivismo, e sou porque nós somos. Sou substância impura, sou “tipo carne dura”, sou devoração pura, e sou porque nós somos. Sou di-ver-gente, amante de gente, um tanto indecente, e sou porque nós somos. Sou do amor por mais de um, sou pelo o Amor Comum, sou filho de Ogum, e sou porque nós somos. Sou de criar clivagens e medo branco da malandragem, sou sujeito de vadiagem, e sou porque nós somos. Estou aqui por nossa garra, sou cheio de marra, preto de farra, mas sou porque nós somos. Sou doce no que faço, sou olhar de mormaço, sou de nós um pedaço, e sou porque nós somos. Sou um preto brilhoso, orgasmaravilhoso, dizem que sou gracioso, mas se sou é porque nós somos. Eu sou da macumba, eu gosto de rumba, minha gente é de bamba, eu adoro um bom samba, sou filho de Lusia, neto de Dona Fia, sou Lélia, Joel, Zó, Abdias, sou a luta de Mandela. E sou porque somos juntos amorosidade, luta por igualdade, pretinhosidades. Sou porque somos Ubuntu.
UBUNTU
Fazer coletivo, ativismo,
ética sem moralismo,
ternura, suavidade, africanidade,
criação de pretinhosidades,
amizade, paixão e fé,
crença, devoção e Axé,
Afeto por mais de um,
Algo que expressa nós juntos
na produção de outro mundo.
Amor que constrói o Comum.
VIDA
É destino entregue à sorte
é um caminho sempre aberto,
é multiplicidade de afetos
é medo da inevitável morte.
Mas o desejo de vencer a morte
sai do corpo da mulher,
é motivo da fé
e devoção descabida.
É ocupação e disputa,
é luta e produção da luta,
é caminhada sofrida.
É desutopia,
é crítica,
é fazer política,
é indeterminação,
algo novo a cada dia,
lugar de intensa criação,
encontros e despedidas.
É criação de divindades,
porém é devoração pura,
produção de ternuras
e de pretinhosidades.
É bela eternidade finita.
A vida.
POESIA
Poesia é assim, uma mina que transborda em mim. Tento apropriar-me dela, mas ela, tão generosa e bela, imanentemente divina, sorrindo como menina negra de asas e arco de setas, me abusa, me usa e me domina. É ela, a poesia, que em mim conduz a festa e me convida a falar da vida, a dançar em suavidades e a expressar em meio a dores, amores, pretinhosidades e afirmações incertas. A poesia é a antropofagia que na noite fria e vazia me devora e me faz poeta.
É BOM
É bom me sentir envolvido
pelo teu corpo sem roupa,
vivo a morte dos sentidos
ao sentir tua boca sugar.
É em vão resistir ao feitiço
quanto tu chegas beijante,
despida de qualquer juízo,
vestida de nudez amante,
pronta para devorar.
SE EU PUDESSE…
Neste momento, em que a saudade entristece,
se eu pudesse
Sentir aquele abraço que aquece,
Prenda Minha, beijo que a boca não esquece,
que em meu corpo habita e mexe,
gozo intenso que enlouquece.
lembrança viva em mim, que adormece e amanhece.
Matar esta saudade que entristece
bom seria, se eu pudesse.
MÃE DA PRETINHOSIDADE
Quero, em nome do mundo
e da minha devoção,
te agradecer por ter dado ao mundo
a menina que canta, fascina, ensina
e é pura emoção,
a menina linda mulher,
a mulher com jeito menina,
cabelo benguela,
lábios cor de açaí,
cheiro de terra molhada
e gosto de seriguela,
a menina mãe de menina
e mulher cheia de sonhos
e anima os versos que componho
com gracejo e suavidade,
a menina que saiu da Mulher
que com apreço agradeço,
Mãe da Pretinhosidade.
QUANDO ELA CHEGA
Ao me encontrar, ela vai logo tirando a sandália, se desfazendo da roupa, se esfregando e se entregando. É quando ela se espalha e se revela a louca que com a boca só faz loucuras. Sem compostura, ela segura, consome, sacia a fome. E ao explodir gozante, ainda com o corpo fervente e despido de moralidades, em minha pretinhosidade os olhos transbordam brilhantes uma eterna suavidade.
TE QUERO
Te quero porque és de luta,
Te quero ao alcance da boca,
Te quero pura, sem moda.
Te quero com muita vontade.
Te quero querente, tesuda,
Te quero inteira, sem roupa,
Te quero porque tu és foda
Te quero Pretinhosidade.
NOS OLHOS DAQUELA MULHER
Nos olhos daquela Mulher
há uma pretinhosidade,
um querer felicidade,
uma vontade de ser amada.
Nos olhos daquela Mulher
há uma suave e forte voz
gritando seu desejo por nós
descalços na terra molhada.
Nos olhos daquela Mulher
há uma espécie de encanto,
um materno suave acalanto,
no brilho de sol dos olhos seus.
Pois, nos olhos da negra Carol
há uma intensa negressência,
uma forte resplandecência,
que acredito ser Deus.
AQUELA MULHER
Aquela Mulher é a minha paz,
é a Mulher que me faz
mais desejante a cada dia,
com ela sou Pretinhosidade
e quando tenho saudade
lhe escrevo poesias.
Aquela Mulher me desmonta,
com a boca ela apronta
no meu corpo, ela é a Bia,
mulher formosa, dengosa, fogosa,
minha antropofagia.
PARTURIENTE PRETINHOSIDADE
Negra parturiente
de Mulher negra quebrando blindagens,
recriando-se consciente,
afirmando-se Negra Est-Ética,
em minha vida uma negra sentença.
Negra de doce presença,
que encanta quando canta poéticas
com firmeza, sensibilidade e
convicta da sua negreza.
Negra Pretinhosidade.
PRETINHOSIDADE
Um dia desses eu telefonei e ela atendeu assim: “Oi Pretinhosidade!”. Outro dia, após fazer tranças ela perguntou: “Como está tua Pretinhosidade?”. Pois é, para ela somos Pretinhosidade.
DEVIR JAGUAR
No corpo daquela mulher há mais que uma bela menina, há uma antropofágica felina que achou a presa que quer devorar. Há naquele corpo um devir-jaguar, uma ebulição que a faz amante, uma vontade que a faz indecente, uma fome que a faz querente, e a urgência de gozar que a faz gozante.
SUGAR E SER SUGADO
Sugar e ser sugado, no mesmo ato,
o chupar, o ser chupado, famintas bocas
em corpos que, nesse instante,
pertencem apenas à entrega amante,
vozes roucas sem regras, sem culpa, sem roupas,
que se lambuzam gozantemente
e adoram aninalmente a divina imoralidade,
pra, logo após, suavemente, degustar suavidade.
UMA NO OUTRO, UM NA OUTRA
Um na outra, uma no outro,
a boca, a língua, o pênis, a vulva, mãos que percorrem curvas, mistura e transfusão…
Em teu rosto surge a devorante felina que, cheia de tesão, pega, se esfrega, se entrega
em gemidos roucos, e abraços loucos tão fortes que parece querer sugar.
Mas ao gozar, feito o sol nascente nos olhos surge o brilho,
e nos corpos, ainda em fervente pós-delírio,
tudo é suavidade.
ENCONTRO DE ALMAS
Nos espasmos do orgasmo um Deus, imanente, se revela,
no tremido, no grito, no agito,
naquilo que escorre e mela
e no fogo que o gozo acalma,
abençoando corpos e o encontro de almas.
ORGASMO
Eis que chega o instante em que na perda de sentido,
na breve morte após o grito forte,
no tremido gostoso de um suicídio gozozo,
a vida vira festa,
e, sem fôlego, palavras se tornam ofegos e ais…
Momento em que o corpo se enche de paz,
é quando Deus se manifesta.