Aconteceu em uma festa, no dia 19 de julho. Na verdade, ele e ela começaram a se observar cuidadosamente no dia anterior ao da festa, no ônibus que transportava pessoas do local de uma conferência para o hotel onde estavam hospedados alguns dos participantes do evento. No trajeto trocaram olhares que se degustavam olhares quaisquer. Minutos depois de chegarem ao hotel, as pessoas foram para seus quartos, mas minutos depois, no saguão do hotel, trocaram algumas palavras sobre futebol e se despediram.
No dia seguinte, já na festa, encontraram-se casualmente, pois nada haviam combinado. Talvez tivessem até esquecido da degustação de olhares e da conversa sobre futebol no dia anterior. Mas o encontro foi uma boa surpresa para ela e para ele. Trocaram outros olhares, outros olhares mesmo, olhares diferentes daqueles do dia anterior, olhares mais que degustantes, brilhantes, sorridentes, interessados. Mas apesar disso, ninguém tomou a iniciativa de “puxar o desenrolo”, mesmo doidos para se aproximarem. Ele estava cauteloso, pois já havia um malandro jogando um lero pra cima na dela. Porém ele logo percebeu que o malandro não estava sendo bem sucedido com seu lero, pois ela sempre que podia lançava um olhar sorridente para ele, o “Pretinho” que ela achou bonito desde o viu a primeira vez.
E ele, suavemente constrangido por aquele olhar, pensava: “Que Pretinhosidade!”.
Aí a banda de música começou tocar e cantar, as pessoas a ficarem animadas e, consequentemente, caíram na dança, especialmente no samba. E foi quando, ele e ela, Pretinho e Pretinhosidade, começaram também a sambar (no samba Pretinho manda bem!). E aí, dançando e cortejando, um a outra, uma ao outro, as intenções tornaram-se mais perceptíveis, não apenas para ela e ele, mas também para as pessoas que os observavam. Os dois, no entanto, não trocaram nenhuma palavra na primeira vez que dançaram, mas estavam cheios de boas intenções, uma para o outro, um para a outra. “Demorô”, pensava ela. “Já é”, pensava ele. “Saparada”, era o que pensavam os dois.
O malandro que estava jogando o lero para cima dela, malandro velho, logo percebeu que o seu “agá” seria apenas perda de tempo e de palavras. Percebeu, principalmente, que Pretinhosidade, além de não demonstrar interesse pelo seu lero, demonstrava disponibilidade para Pretinho. Reconhecendo então que não dava para ele, o malandro do lero se dirigiu até Pretinho, bateu em suas costas e disse “perdi meu amigo, a bola tá contigo”.
Pretinho e Pretinhosidade dançaram bastante, dançaram muitas vezes. Numa das vezes, quando ele voltava do bar, ela, ao vê-lo, se dirigiu lindamente na sua direção, e de braços abertos, querendo dançar, toda cheia da suavidade maliciosa que o brilho dos seus olhos denunciava. Esse gesto da Pretinhosidade sensibilizou Pretinho, produzindo nele, em relação a ela, um olhar mais interessado e vontades outras. Mas teve também cena de ciúme da parte dela, porque ele, vadio demais (ainda mais com umas manguaças na ideia), circulava e dançava com outras mulheres. Disso ele também gostou e pensou: “Acho que vai rolar”.
A festa chegou ao final, mas ali algo começava a acontecer. Na despedida fizeram um selfie, trocaram números de telefones e deram um beijinho maroto, um quase-selinho. Naquele dia “não rolou”, mas foi o dia de um encontro que deixou uma vontade, início de uma sentimentanimalidade que nem ele e nem ela imaginavam no que ia dar. É, já faz alguns anos que aquele encontro fez mudar muitas coisas nas vidas de Pretinhosidade e Pretinho.