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2005 foi o ano da igualdade racial?*

Alexandre do Nascimento

 

Medidas concretas, como a aprovação da lei que institui cotas nas universidades federais, do Estatuto da Igualdade Racial e de um fundo para ações afirmativas, deveriam ser priorizadas pelo governo federal no Ano da Promoção da Igualdade Racial

 

O governo federal declarou 2005 como o Ano da Promoção da Igualdade Racial. Fato ao mesmo tempo importante e preocupante. Importante porque é muito recente o reconhecimento do Estado brasileiro de que o racismo é produtor de desigualdades sociais e que medidas concretas devem ser tomadas para a promoção da igualdade racial. Preocupante porque desde a criação de um órgão responsável pela formulação de políticas de combate ao racismo – a Secretaria Especial de Promoção de Políticas de Igualdade Racial (SEPPIR) – pouco se avançou concretamente.

 

A população negra clama por políticas concretas, através dos diversos grupos e organizações que constituem o chamado Movimento Negro. E dois projetos fundamentais para a consolidação de políticas concretas, o projeto de lei do Estatuto da Igualdade Racial e o projeto de Lei que institui cotas para estudantes oriundos de escolas públicas (e dentro dessas as cotas para indígenas e negros) nas universidades federais, tramitam lentamente no Congresso Nacional. Embora a ministra Matilde Ribeiro esteja fazendo esforços para que esses projetos sejam apreciados, o ministério da educação e o núcleo duro do governo não parecem de fato considerar a igualdade racial como prioridade; e o Congresso Nacional menos ainda, pois naquelas casas (câmara e senado) há, infelizmente, uma grande sensibilidade aos apelos dos setores que se beneficiam do racismo no Brasil e uma sensibilidade maior ainda às pressões (e possivelmente às gordas ofertas) das instituições privadas de educação.

 

No caso do Projeto de Estatuto da Igualdade a questão é grave, pois além do fato de que esse ele tramita há quase 10 anos, o principal problema para a sua colocação na pauta do Congresso é a proposta de criação de um Fundo para financiar as ações afirmativas. Setores do Governo, notadamente a “equipe econômica”, não vêem o Fundo com bons olhos. Os donos da chave do cofre ignoram que políticas de ação afirmativa (renda de cidadania, programas de acesso e permanência nas universidades, bolsas, financiamento cultural etc.) são, de fato, elementos fundamentais de uma política econômica concreta, que podem ter impactos sócio-econômicos muito positivos. Ignoram, também, que concentrar esforços para a população negra e indígena (metade da população) não é exatamente fazer política “focalizada”, mas é, de fato, tratar de redistribuição de renda e de recomposição social e racial de uma maneira mais democrática.


A lei que institui cotas nas universidades federais, embora seja muito polêmica, é menos complexa, pois, além de versar sobre um ponto específico, terá impacto menor no “equilíbrio fiscal”, mesmo sabendo que a política de cotas para ampliar o acesso para alguns grupos gera demandas no que diz à permanência. De qualquer forma, o projeto de lei que estabelece cotas nas universidades federais também tramita muito lentamente no Congresso. Além disso, na segunda versão do anteprojeto de Reforma do Ensino Superior não foram mantidos os artigos que instituem cotas nas universidades federais. É notório que a cor da reforma é mais problemática do que a reforma.

 

O ministério da educação parece subserviente às pressões contrárias às cotas vindas do conservadorismo da chamada “comunidade acadêmica”, através da Andifes (Associação dos dirigentes dos instituições federais de ensino superior). Os movimentos sociais, sobretudo os cursos pré-vestibulares populares e o movimento estudantil, têm atuado com vigor na pressão sobre o ministério da educação e sobre o Congresso, e na denúncia à sociedade do pouco interesse do MEC e da resistência da Andifes. De certa forma, as ações dos movimentos têm causado alguns constrangimentos, a ponto de ter modificado o discurso da Andifes, que hoje se coloca à favor das cotas.

 

Falta ao governo, além de uma declaração simbólica, dar prioridade material ao tema da igualdade racial e colocar a mão na massa, pondo seus articuladores e ministérios a serviço da perspectiva de igualdade racial de fato. O Ano da Igualdade Racial, muito mais que o ano da Conferência Nacional de Promoção de Políticas de Igualdade Racial, deveria ter sido o ano da mobilização de recursos políticos e financeiros para aprovação dos projetos de lei de interesse da população negra e estabelecimento de programas de combate ao racismo e de acesso aos direitos em todos os ministérios. Foi o que mostraram ao presidente da república as duas marchas realizadas em novembro de 2005, nos dias 16 e 22.

 

Mais do que nunca o movimento negro, o movimento dos cursos pré-vestibulares populares, o movimento estudantil e todas(os) aquelas(es) que querem um Brasil mais justo devem se mobilizar em favor da aprovação desses projetos, pois neste caso o medo pode vencer a  esperança. E, como dizia um grande amigo meu, nós somos a nossa própria esperança.

 


Alexandre do Nascimento, educador,  é professor de Cultura e Cidadania do PVNC.

Email: contato@alexandrenascimento.com