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SE NÃO PUDER AJUDAR, PELO MENOS NÃO ATRAPALHE

Robson Campos Leite

A prefeitura do Rio de Janeiro, através de uma circular de sua Secretaria de Educação, proibiu todos os pré-vestibulares comunitários de nossa cidade de funcionar nas escolas públicas municipais.

São mais de 120 núcleos que, a partir do ano que vem, ficarão sem espaço para suas aulas. Este projeto funciona em sua maioria em comunidades carentes e vem, ao longo dos últimos 13 anos, tirando jovens da miséria e da exclusão social e colocando-os na Universidade. Um projeto lindo, uma bandeira honrosa que já deu um sentido na vida de aproximadamente 15 mil jovens carentes aqui no Rio de Janeiro.

Isso me faz recordar a bela história de uma aluna que tivemos nos primeiros anos desse projeto. Ela morava com cinco irmãs e a mãe em um barraco com um único cômodo de 10 metros quadrados em uma favela de Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Estudou a vida inteira em escola pública.

Naquela época, durante o ensino médio, nunca viu, sequer, física ou química. Faltavam professores para compor o quadro da escola estadual onde estudava. Quando se juntou a nós no projeto do Pré-Vestibular comunitário, a sua deficiência era visível. Tinha dificuldades em quase todas as matérias. Ao final do ano, não passou para nenhuma universidade ou instituição de ensino superior. Entretanto, ela tinha um defeito que acabou se transformando em virtude: era teimosa.

Acreditou nos professores que diziam, constantemente, que ela era uma vencedora. Que ela podia e que iria chegar lá. Ela lutou muito. Fez, praticamente, o ensino médio novamente ao estudar durante três anos no Pré-Vestibular comunitário. Passou para Letras, especialidade Português-Inglês, em uma respeitada universidade carioca. Mas, ao contrário do que poderia parecer, os problemas não tinham terminado. Eles apenas começaram.

Ela conseguiu, mesmo com todas as dificuldades, como compra de livros, fotocópias, alimentação e transporte, continuar estudando (na época, não existia qualquer ajuda de custo por parte do governo para alunos e alunas pobres e negras, como o ProUni). Formou-se e hoje tem um bom emprego.

Ao saber do problema da proibição do prefeito, ela me encaminhou um e-mail. Uma mensagem triste, porém, cheia de esperança, onde dizia que o motivo que a faria lutar para que o prefeito voltasse atrás era exatamente pela sua gratidão a esse projeto. Segundo ela, não dá para passar por um projeto como esse e virar as costas para a sociedade tão desigual e excludente. Em outras palavras, "fingir que não existe problema". Para ela, os alunos oriundos desse projeto precisam mostrar à nossa sociedade que somente através de políticas públicas de inclusão social e plena valorização da educação é que teremos um país verdadeiramente grande.

Termina a sua mensagem dizendo que uma angústia tremenda toma conta dela só de pensar o que teria sido da sua vida se essa proibição do prefeito tivesse ocorrido há 8 anos, quando ela era aluna deste projeto. Certamente, estaria hoje dependendo dos cheques-cidadão ou bolsas-família.

Infelizmente, o prefeito Cesar Maia não olha por este lado. Ele argumenta que a despesa com luz aumentou muito com a utilização dos espaços pelos pré-vestibulares comunitários. Uma visão triste e muito longe do espírito público que se espera do primeiro mandatário da nossa cidade, até porque, conforme argumentamos em uma reunião com a subsecretária de Educação, esse projeto não gera despesa, mas economia aos cofres públicos, pois fazemos um papel que deveria ser feito pelo Estado.

Aliás, sempre dizemos no decorrer de nossas aulas que precisamos trabalhar firmemente neste projeto para que um dia não precisem mais existir pré-vestibulares comunitários. Mas que isso ocorra pela iniciativa do estado em promover políticas públicas que priorizem a educação e as inclusões sociais e raciais, e não através dessa lamentável proibição, que contraria, inclusive, a própria Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro. A lei diz em seu art. 324, inciso IV:

"O Município promoverá:

(..) ocupação dos prédios escolares em horários ociosos, para serem utilizados em palestras, cursos e outras atividades de interesse da comunidade local."

A esperança é uma das marcas registradas dos valentes militantes que ingressam neste projeto. Aliás, ela é a mola propulsora do nosso sonho. É ela que não nos deixa calar frente à tamanha injustiça praticada contra esses movimentos. Não queremos fazer baderna ou iniciar algum movimento que ofenda qualquer pessoa ou mandatário. Queremos apenas que a prefeitura, se não puder ajudar, pelo menos não atrapalhe.
 


Robson Campos Leite é professor de Pré-Vestibular para Negros e Carentes (PNVC).

 


*Texto publicado em 05/01/2007, na coluna Opinião do Jornal O GLOBO.