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NOTAS SOBRE PEDAGOGIA NO PVNC 

Alexandre do Nascimento

 

  1. O PVNC tem como referência as classes populares, entendidas como "classes e grupos sociais que vivem em condições impostas de exploração, dominação, discriminação, esmagamento de identidade e negação de direitos fundamentais, como o direito ao trabalho, terra, moradia, remuneração digna, cuidados com saúde, acesso à educação formal, reconhecimento cultural e participação política, com destaque para a população afrodescendente, que entre outros problemas ainda enfrenta o que nos parece um fator decisivo de bloqueio à sua participação na sociedade: o racismo" (Nascimento, 1999), mas que por outro lado "são produtores de sentido e de condições concretas de sobrevivência, pois na sua dinâmica produzem formas criativas de luta, participação e atitudes capazes de levar à construção de outras formas de sociabilidade" (idem). Democracia – como política de multidão, como projeto e processo que "só pode ser concebido como uma construção política permanente, como instituição autônoma da sociedade, como produção coletiva das condições objetivas e subjetivas de igualdade e autonomia" (Nascimento, 2004); Quilombismo – como "dinâmica dos mocambos nas instituições negras posteriores, escolas de samba, favelas, irmandades religiosas e outras"(Lopes, 2002), "processo civilizatório centrado no negro, que as elites combatem através do racismo" (idem); e, Ação Afirmativa - como política de afirmação de identidade e direitos – são conceitos que tornam-se concretos nas práticas político-pedagógica do PVNC.

  2. O PVNC propõe-se a organizar-se como espaço público de estudo, debate, formação política, resistência, criação, formulação coletiva de propostas e articulação de ações políticas para a produção de relações sociais solidárias com fundamentos sócio-culturais diferentes daqueles que formaram a atual sociedade brasileira (superioridade racial branca, mestiçagem como homegenização, monoculturalismo, eurocentrismo, patrimonialismo, individualismo, méritocracia, e, mais recentemente, neoliberalismo). Por isso é fundamental construir propostas pedagógicas diferentes, com metodologias que visem o desenvolvimento de autonomia (individual e coletiva). A igualdade, a cooperação, a solidariedade, a autonomia, engajamento político e ampliação do universo lingüístico-cultural dos educandos são conceitos fundamentais para as nossas práticas pedagógicas.

  3. A pedagogia é, portanto, um importante ponto de reflexão no PVNC e deve ser permanentemente debatida e avaliada nos núcleos. Como prática política, a prática pedagógica deve ser, também, um projeto de autonomia e um constante exercício de democracia. E, se o sentido que atribuímos à educação é a autonomia e a democracia, a pedagogia do PVNC não deve se limitar ao ensino de conteúdos, mas a um constante exercício de aprender a aprender, aprender a pesquisar, aprender a posicionar-se no mundo; uma atividade constante de produção de inconformismo, de criação, de produção de sonhos, projetos e práticas transformadoras. Entretanto, isso não se faz sem o ensino de conteúdos. O diferencial é que o ensino deve ser praticado como ponto de apoio e como uma etapa necessária para, em cooperação, desenvolvermos coletivamente nossa capacidade de aprender, refletir e criar. O nosso desafio metodológico pode ser sintetizado na seguinte formulação: produzir práticas democráticas, formas e conteúdos que, se interiorizados, possam ajudar as pessoas tornarem-se autônomas.

  4. A partir daí, podemos visualizar algumas práticas efetivas:

  • Contrato Pedagógico (estabelecimento de uma co-responsabilidade coletiva entre educadores e educandos com o projeto do pré-vestibular).

  • Aulas dos conteúdos regulares mais "politizadas" (podemos entender como politizadas as práticas que situam os conteúdos no tempo e no espaço, que buscam entender a lógica que o preside. O fundamental é que se trabalhe para o desenvolvimento do "aprender a questionar", "aprender com autonomia", "aprender a aprender". Vale lembrar que, para nós, a política e a pedagogia são projetos de autonomia).

  • Atividades "extra-classe" (filmes, passeios, músicas, visita a museus, teatros, etc).

  • Eventos culturais (colocando em evidência aspectos da cultura afro-brasileira).

  • Envolvimento nas questões locais (buscar o envolvimento do pré-vestibular com questões sociais, políticas e econômicas da localidade onde o núcleo está situado).

  • Participação nas atividades globais do PVNC (Reuniões da Assembléia, reuniões do Conselho, seminários, atividades de formação e atividades políticas).

  • Grupos de estudos de conteúdos (educandos).

  • Grupos de estudos sobre educação, sociedade, raça e gênero (educadores).

  • Aulas de Cultura e Cidadania (sensibilização sobre racismo, preconceito, discriminação, desigualdade, pobreza, exclusão social, violência, na busca da emergência do inconformismo e da indignação; análises sobre política, economia, cultura, formações e relações sociais, movimentos sociais; análises de conjuntura; reflexões sobre alternativas).

  1. A Cultura e Cidadania ocupa um importante papel em nosso processo pedagógico. Não é uma disciplina no sentido tradicional. Cultura e Cidadania é o conceito de uma prática pedagógica que não é um momento isolado; é um conceito para todas as áreas (matemática, história, literatura, redação, etc). Mas Cultura e Cidadania é também um momento específico, para reflexões e debates sobre temas gerais, como movimentos sociais, sociedade, educação, relações raciais, gênero, cultura, política, economia e alternativas. Como conceito de uma prática político-pedagógica que visa a autonomia e a potencialização das ações políticas individuais e coletivas, o trabalho de Cultura e Cidadania deve fazer parte das preocupações de todos os educadores do PVNC e buscar resposta para a seguinte questão: Como o trabalho pedagógico pode contribuir para o desenvolvimento da atitude de questionamento, de reflexão, de leitura crítica do texto e do contexto e para um posicionamento autônomo no mundo? Como momento específico para debates e reflexões mais amplas, Cultura e Cidadania deve ser coordenada pela equipe de coordenação do núcleo e não deve ser matéria para somente um(a) educador(a): deve ser um espaço aberto aos educadores do PVNC e a educadores convidados para trabalhar com temas previamente definidos pelos nossos fóruns (Assembléia, Conselho, Seminários, Grupo de Estudos e reuniões pedagógicas nos núcleos). Neste sentido, temos uma tarefa: construir um programa básico de Cultura e Cidadania e uma prática permanente de reflexões entre os(as) educadores(as) do PVNC através de grupos de estudos nos núcleos e seminários.

  1. Como diretrizes gerais para uma metodologia crítica de ação pedagógica, sugiro:

  • A idéia de interdisciplinalidade entre os conteúdos. Todo conhecimento possui um sentido humano e um contexto em que foi produzido. A abordagem interdisciplinar permite a compreensão que um determinado assunto pode ser abordado por várias disciplinas. Por exemplo, o tema raça pode ser abordado pela Biologia, pela História, pela Geografia, pelas disciplinas que tratam de Códigos e Linguagens;

  • A prática de leitura crítica de cada conceito, texto ou fato, sempre acompanhada de análise aprofundada. Isso também pode ser pensado como estudo de Lógica. Nossa hipótese é que isso pode possibilitar que os alunos compreendam os fundamentos dos objetivos do conhecimento que estão sendo estudados. Por exemplo, quando falamos 15% (quinze por cento) é importante que os alunos compreendam que por cento, significa dividido por cem. As leituras complementares, tais como jornais, revistas ou textos avulsos, deve ser sempre indicada e posteriormente debatida com os(as) educandos(as);

  • A pesquisa como elemento de aprendizagem, através da ação sobre o objeto do conhecimento. A pesquisa pode gera autonomia e incentiva a criatividade. Entretanto, pelas limitações de um curso pré-vestibular, a pesquisa deve ser realizada em sala de aula. Um exemplo simples dessa proposição é a resolução de exercícios com questões que devem ser pesquisas em uma bibliografia que os(as) educados(as) devem levar para sala. Um outro exemplo é o incentivo aos grupos de estudos entre os(as) educandos(a);

  • Incentivo à expressão, através de produção de textos (dissertações, prosas, poesias, etc), dramatizações, com objetivo de gerar maior motivação e para contribuir no desenvolvimento da oratória e da sensibilidade;

  • Debates sobre conjuntura política, social e econômica e sobre questões como educação brasileira, relações entre raças/etnias, relações entre gêneros, discriminação e preconceito, violência, ética, ciência, tecnologia, entre outras. reflexão permanente acerca dos problemas existentes no âmbito das relações político-sociais, análise das instituições que nos atravessam (como a família, a religião, a escola, o Estado etc), do papel da universidade; discussão política sobre democracia, cidadania, autonomia e projeto político; análise da articulação entre teoria e prática do PVNC. Esse é o papel do momento de reflexão que chamamos de Cultura e Cidadania.

Referências:

NASCIMENTO, Alexandre do. Movimentos Sociais, Educação e Cidadania: Um estudo sobre os Cursos Pré-Vestibulares Populares. Dissertação de Mestrado em Educação. Rio de Janeiro: UERJ, 1999. 

NASCIMENTO, Alexandre. Movimentos Sociais, Ação Afirmativa e Universalização dos Direitos. Rio de Janeiro: Revista Lugar Comum número 19/20, 2004.

LOPES, Jobson. A Experiência Política do PVNC. Rio de Janeiro, 2002. Disponível em www.pvnc.org.

 

 


Alexandre do Nascimento, educador, é professor de Cultura e Cidadania do Pré-Vestibular para Negros e Carentes (PNVC).