O pensamento que parece prevalecer em nossa sociedade e nas ações do Estado, sobretudo as ações das instituições policiais e judiciárias, relevam uma perspectiva nada cordial do poder em relação aos pobres. Do ponto de vista da notória maioria dos que estão em exercício de poderes políticos, econômicos, policiais e judiciários, os pobres (principalmente negros) só podem ser obedientes e conformados com a ordem que os olha, no máximo, como consumidores, nunca como cidadãos, pois se não forem dóceis, produtivos e controláveis tornam-se puníveis e até matáveis.
Há os que naturalizam a exploração e a desigualdade (talvez a maioria). Mas há as pessoas que insistem em acreditar que outro mundo é possível. Essas pessoas são as que de alguma forma se lançam numa aposta no comum: eis as pessoas que amam e, por amarem, organizam a luta, inovam, incomodam, fazendo o que nos ensina Abdias do Nascimento: “Organizar a nossa luta por nós mesmos é um imperativo da nossa sobrevivência”.
A relação social como um comum amoroso se realiza em algumas formas de vida, nas experiências de pessoas cujo fazer diário é sempre luta pela vida, resistência, re-existência. “A experiência do amor é atividade de construção do comum” (Antonio Negri), um devir comum, que pode ser pensado como investimento inovador em outras relações e instituições, como propõe o conceito de Ubuntu, interdependência, um entrelaçar-se em formas, processos e eventos comuns. Os encontros, nas ruas, nas escolas, nos lugares que devem ser comuns, oportunizam o entrelaçar-se em afirmação positiva do ser comum. “Somos feitos para a interdependência” (Desmond Tutu).